O último Vagão, vale cada trilho percorrido. Um filme infantil que deixa qualquer adulto criança.
Começo dizendo, assista. Um dos filmes que mais gostei de ver, e recomendo muito, por sua história, simplicidade, roteiro e fotografia incríveis. E é muito especial observar o que o simples e o lúdico, juntos, podem fazer. Uma história sobre infância, e embora seus personagens vivam numa circunstância desfavorável, as crianças conseguem ser crianças, misturando imaginação e aprendizado, apesar da realidade.
Um longa-metragem mexicano,
produzido pela Netflix, que estreou em 2023. Mostra a vivência de Ikal, menino
vindo de outra cidade, cujo pai trabalha na construção de trilhos, os mesmos
que os trouxeram para esta paragem, um vilarejo pequeno e que carece de
oportunidades e desenvolvimento. Podemos disso, ligar um paralelo entre a
necessidade de se manter esperançoso, no ‘trilhar do trem da vida’, e os
concretos cenários de uma dura conjuntura.
Neste pequeno, mas amistoso vilarejo, onde seus moradores sobrevivem da construção de uma linha férrea, Ikal conhece Valéria, Tuerto e Chico, quatro crianças mexicanas, pobres, que estudam em uma escola improvisada num desses vagões velhos de trem. Dá para notar que o título do filme está bem conectado à história – sendo o último vagão, (quando você assistir) tanto o começo quanto o fim. E ao concluí-lo, sem ‘spoiler’, há uma lição que toda escola deveria ensinar; uma ressignificação.
Já os pontos que mais se mostram no filme são o ensino, a infância e a exploração dos trabalhadores da ferrovia. Também, o elo da abnegada Georgina e seus alunos. A professora é peça-chave na construção do enredo, pois é nela que se reforça a esperança da instrução e do amor professoral. Ela, embora com temas sensíveis em sua vida particular, não deixa a sua vocação perder seu brilho, e trata cada aluno como pessoa única, que merece todo o respeito e oportunidade possível, mesmo que improvável.
A direção é de Ernesto Contreras, que soube destacar a emoção da trama, sem a apelação de um ‘opúsculo de poranduba rasa’ – calma, as palavras rebuscadas foram só pra chamar sua atenção mesmo (rs). O que é importante dizer é que o filme não é apelativo, e não cansa nem a vista (com sua fotografia bem-posta) nem a vontade de concluí-lo, pois tudo é amarrado como se a parte fosse uma coisa só.
Contudo, embora eu me refira ao filme como um dos roteiros mais bem elaborados que já vi, meu olhar é um tanto exagerado. Portanto, não espere do filme nada fabuloso, embora sua simplicidade o deixe simplesmente espetacular. Isso fez algum sentido pra você?
A aridez daqueles tempos de interior do México, da rija exploração, se funde à inocência infantil, e faz do filme uma lousa, que pelos traços precisos de um professor altruísta e sensível, nos ensina que somos sempre capazes, por nossas resiliências e ânimos. E qualquer coisa é cena – do correr de um cachorro à subida de um morro, ou a volta por um lago. O céu que se conecta aos trilhos, e os vagões que são, ao mesmo tempo, veículos e chão.
E cada rosto, uma personalidade bem típica. Embora todos estejam ali numa mesma conjuntura, o indivíduo é tão bem representado como é a comunidade. Cada criança, e todo personagem adulto, possuem moldes únicos, e a pluralidade dessas emoções nos conduzem por um filme que, simplesmente, é digno de ser absorvido.
Podemos até dizer que o longa fala de sonhos, quando há em cada um ali um desejo por coisa melhor, e nas crianças, um porvir imaginoso e infantil. Porém, a realidade não permite que seu espectador se desconecte da vida disponível, daquele tempo ou do nosso, pois sempre nos leva a pensar e a repensar, inclusive sobre nós mesmos.
Sobre a história em si, Ikal é um garoto um tanto sem expectativa, que vive de modo errante, bem como seus pais com sua vida e trabalho. A família acompanha o progresso na mesma direção dos trilhos que os levam a lugares novos, de onde, por suas lides, recomeçam e começam de novo em cada paragem. E quando chega nesse desadornado povoado, Ikal, encontrando outras crianças como ele, vai se fazendo mais positivo, como se consumisse um pouco de personalidade de seus novos amigos. E que amigos; que juntos de sua professora ultrapassam a dura condição por seus corações e vontades.
Precisamos falar também de Hugo, jovem trabalhador da secretaria de ensino da região, mas não vou além dessa informação. Quando vir o filme observe com atenção essa personagem, e verá que sua vida é conexão crucial para todo o enredo, que ao fundo, nos diz o quanto o sonho, a vocação, o ensino e a confiança no melhor são decisivos e importantíssimos.
Ah, e como não dizer do primeiro amor, quando Ikal se encanta por Valéria. Mas são outros tempos, outras situações. A realidade é mostrada lúdica, mas sem filtros, para que ambos, adultos e crianças, possam apreciar a narrativa do filme pelos olhos de um aprendiz, sensível e crendo num futuro promissor.
O “Último Vagão” é um filme
terno. Realista, mas ligado à fantasia, aquela que imagina o melhor a olhos vistos,
da locomotiva ao útlimo vagão. Recomendo, e muito.
Alexandre Fon